2017-12-01

Homenagem a Sérgio Barretto: um servidor incansável do Śuddha Dharma

A Ciência da Meditação e a Consciência de Si
Sérgio Barretto
(23.08.31 - 30.11.17)
Ontem, 30 de novembro de 2017, faleceu o irmão de minha mãe, Sérgio Barretto, instrutor de Śuddha Rāja Yoga desde os idos de 1960. Com o seu espírito alegre e agregador, tio Sérgio contribuiu para o desenvolvimento de diversos Ashram-s e centros de estudo por todo o Brasil. Foi ele quem primeiro me orientou em meus estudos sobre Yoga e Índia. Quando adolescente, eu costumava passar as minhas férias em sua casa, na companhia dos meus primos. Ele sempre contava com entusiasmo aquelas histórias dos santos iogues do oriente. Foi o tio Sérgio quem me apresentou formalmente ao Francisco Barreto, hoje instrutor do Śuddha Sabhā Ātma, em Sergipe. Foi ele também que, juntamente com Francisco Barreto, cooficiou a cerirmônia ióguica de meu casamento com Cássia, em 06 de fevereiro de 1983, no antigo Ashram Atma, em Aracaju. Pouco mais tarde, nós nos mudaríamos para Sergipe para nos integrarmos ao projeto de gestação de uma futura “universidade Śuddha”, a Universidade do Coração.

Cerimônia preparatória para o nosso casamento iogue celebrado  em 06.02.83 por Sérgio Barretto e Francisco Barretto.
Cerimônia preparatória para o nosso casamento iogue celebrado
 em 06.02.83 por Sérgio Barretto e Francisco Barreto.
São vários os momentos importantes que vivi com tio Sérgio e que poderia destacar. Fico, contudo, com um dos últimos que tive com ele antes da sua saúde começar a se deteriorar. Em 2009 estava de viagem marcada para a Índia, quando passei por Ribeirão Preto para visitá-lo e saber dele como via algumas questões doutrinárias que estava investigando.  Eu comentara com meu tio sobre o meu encontro com o Professor Hermógenes, que completara 85 anos e mantinha ainda a sua força e lucidez.  Tivera a oportunidade de discutir com ele sobre aquela contundente introdução que fez à tradução de Haydeé Touriño Wilmer da Bhagavad Gītā, editada pela Śuddha Dharma Maṇḍalam (veja aqui). O Professor Hermógenes me afirmara estar descontente com os rumos que a organização externa Śuddha Dharma Maṇḍalam tomara após a morte de Sri Janardana, em 1966. Por isto havia se afastado da instituição e, gradualmente, se aproximado de Sathya Sai Baba, a quem considerava com um carinho todo especial. Depois de me ouvir, meu tio insistiu para que, na Índia, eu não deixasse de incluir em meu roteiro uma visita ao local onde Sathya Sai Baba costumava fazer as suas aparições periódicas. Eu, contudo, disse a ele que não gostaria de estar no meio de uma multidão perdida, apenas para “ver” um “santo hindu”. Não queria a viagem como aquele deslumbramento ingênuo de tantos, geralmente em busca daquilo que não se pode encontrar aqui nem acolá, senão que dentro de si mesmo. Prometi-lhe, contudo, que refletiria sobre o assunto. E assim o fiz. O resultado foi uma experiência estranha que me fez sentir a presença do próprio Sai Baba, que viria a falecer um ano mais tarde, em abril de 2011. O Prof. Hermógenes faleceria alguns anos depois, em março de 2015.

A minha experiência com Sai Baba aconteceu no dia em que ele estava completando 84 anos de idade, em 23 de novembro de 2009. Resolvera aproveitar a celebração do seu aniversário para escrever uma mensagem sobre as muitas metáforas do Ser, ponderando sobre as verdadeiras visitas que nos levam a ser visitados em nossos corações pelo que, de fato, buscamos.

Estava de viagem marcada para a Índia e chegara a considerar se não deveria ir ao local onde Sathya Sai Baba costumava fazer as suas aparições periódicas, conforme sugestão de meu tio Sérgio. Comecei, então, a refletir a respeito e esbocei algumas linhas no diário, que é o espaço, por excelência, do simbólico. Quem tem o hábito da leitura, ou da escrita, sabe que, quando se está a ler ou escrever, entra-se na esfera das ondas mentais (noúres) daqueles com quem nos relacionamos. É assim que, de algum modo, como resultado do amor em ação, o silêncio interior se estabelece e o outro se faz presente. Este silêncio a que me refiro não é a um silêncio qualquer, mas àquele que comungamos pelo coração e que sentimos perfumar o ambiente e limpar a atmosfera – o silêncio amoroso e guardião de todas as palavras, de todas as Escrituras e de toda a poesia. Ao experimentar deste silêncio interior do coração, logo pareceu-me que não era mais eu quem escrevia. Parecia que estava acessando as noúres de onde o pensamento vivo do próprio Sathya Sai Baba fluia para todo o cosmos.  As linhas que se seguem são um resumo dos registros destas impressões:
Para que todas estas visitas pelo mundo exterior? São inúteis se já não tiveres antes visitado o interior do coração. Para que esse culto à personalidade deste ou daquele santo, quando já se divulgou no mundo toda a ciência do ser? É na mente que se conhece o verdadeiro asceta. O que é o próprio saber? Para todo o sempre, nunca haverá de se saber; eis que este se transforma — uma ora aparece como ciência, outra como não-ciência. Que a tua crença seja em conformidade com a tua pureza; e que a cada dia cresças em tua capacidade de se desvestir destas crenças. Todas elas são verdadeiras… Todas elas, mais cedo, ou mais tarde, tornam-se falsas…
Entre a luz e a sombra, fica com ambas, pois é do contraste que uma revela a outra. Que as sombras não te envolvam, nem te dominem. Quando pisares nos solos da Índia, lembra-te de que já conversamos e de que nada mais há para ser dito. Pisa aqui com o pé esquerdo primeiro e, com o direito, esteja já de volta ao seu lugar, munido da energia e da coragem para realizar aquilo que de há muito espera por ser realizado. Visita os amigos, aos ashrams para os quais foi convidado; entretanto, não saias mais do teu centro, não abandones o coração. Que os teus pés caminhem pela Índia, mas que a tua mente nunca mais abandone o teu coração.
Se o corpo já não suporta esta luz e esta presença, cura-te aos poucos, pois nada há de mais triste que adoecer por não suportar a presença da luz. Esta luz é a guia e, em tudo, a cura. Cultiva-a para no futuro ser merecedor de nova cirurgia. A de hoje, não assististe, ainda que dela te beneficiaste. Hoje eu sou apenas o motivo para este novo degrau que agora galgas dentro deste projeto que se organiza em torno do Amigo Divino. Dele, não de mim, vem a instrução.  Começa hoje, agora. Eis aí um modo de renascer, antes mesmo de morrer.
Sérgio e Anelise Barretto em visita ao nosso apartamento em janeiro de 2015.
Sérgio e Anelise Barretto em visita ao
nosso apartamento em janeiro de 2015.
Estas linhas do diário pessoal me levaram a refletir sobre o espírito dos ritos sagrados e das homenagens que prestamos aos nossos mortos queridos e aos nossos ancestrais. Então, hoje, dia 01 de dezembro de 2017, quando, neste exato momento, estão sendo celebrados os ritos funerários de Sérgio Barretto, quis o destino que eu não pudesse estar presente, senão em espírito e de coração.  Deixo, portanto, a minha homenagem a ele, bem como a todos os seus ancestrais com os quais foi se juntar. Compreendo que a vida se desenvolve segundo estas linguagens, codificadas pelo amor, que herdamos dos nossos ancestrais. Decorre desta presença simbólica dos ancestrais o desenvolvimento de todas as culturas. Deste modo, todo o trabalho de agora não é mais que uma antiga obra sendo retomada. Daí o Ṛgveda (8.32.16; 6.61.1) mencionar três débitos (Ṛṇa trayi) que todos temos o dever de pagar durante o decorrer de nossas vidas. Estes débitos, que todo ser humano herda ao nascer, aparecem melhor detalhados no Yajurveda (Taittiriya Samhita:VI.3. 10. 5), descritos como:
  1. Deva ṛṇa, o débito com a esfera das deidades das quais herdamos a nossa própria identidade espiritual;
  2. Ṛṣi ṛṇa, o débito com os sacerdotes, gurus, sábios e santos que nos deixaram como herança cultural o conhecimento espiritual; e
  3. Pitru ṛṇa,o débito com os nossos ancestrais, que possibilitaram o nosso nascimento neste mundo. 
Homenagem a Sérgio Barretto: um homem bom
O primeiro débito é quitado por meio do serviço desinteressado a toda humanidade e do atendimento e respeito às Escrituras Sagradas; o segundo, por meio da reverência aos grandes santos, tornando-nos exemplos vivos das suas doutrinas e, o terceiro, prestando tributos aos nossos ancestrais (ritos funerários e homenagens), mostrando consideração pelos nossos familiares e respeito pelos seus valores morais e éticos. Daí o sentido e a importância destas três "presenças". 

Em suma, faz parte de todas as tradições sagradas o respeito e as homenagens aos ancestrais.  Tenho absoluta convicção que ao prestar as minhas reverências em memória de Sérgio Barretto, por meio de quem tive o meu primeiro contato com a Ciência da Meditação, o faço ciente de que ele mesmo perseguiu, a vida toda, estes mesmos ideais.

SUMÁRIO GERAL: A Arte e a Ciência da Meditação segundo a Bhagavad Gītā
Rio de Janeiro, 01.12.17.
(Atualizado em 03.07.18)

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